Foto: Lucas Merçon/FFC
Difícil argumentar contra um resultado. Em um país que os números mostrados no placar, ao final do jogo, valem tanto, tecer críticas após uma goleada contra o rival é uma tarefa extremamente complicada. Talvez por isso a produção desse texto tenha sido feita ainda com o jogo em andamento.
Mas como sempre fui comprometido, e sempre serei, com a razão e dissecar o jogo além do resultado final, sigamos. Encontrar argumentos para convencer. É o desafio. Principalmente para apontar que nem tudo está certo, assim como nem tudo está errado. Existem problemas e virtudes que seguem como tônica das postagens desde a estreia deste autor no NETFLU. Sempre foi uma missão apontar para coisas positivas e negativas de forma balanceada.
Ainda que o Flamengo mandasse à campo um time misto, o nível de competitividade seria outro. Como foi. A exigência aumentou e pontos positivos e negativos mostraram sua cara. Dentre os positivos, talvez a competitividade seja a maior virtude.
Entendendo a necessidade de gerar superioridade pelos lados e não perder força por dentro, Abel instarou um 5-4-1 com adaptações posicionais. Gilberto mais à frente da linha defensiva para atacar as subidas de Trauco e Renato Chaves “guardando” Vinicius Júnior pelo lado direito.
Favoreceu os encaixes de marcação e conseguiu densidade defensiva nos corredores. Sempre com dobras em cima do lateral-esquerdo do Fla, e pressão por dentro com a linha média formada por Marcos Júnior e Sornoza, fechando as extremas, auxiliando Jadson e Richard por dentro. Assim, marcou mais alto, no campo do oponente e gerou complicações.
Porque ainda que Felipe Vizeu e Vinicius Júnior conseguissem segurar a linha defensiva e abrir espaços às costas dos volantes tricolores os dois rubro-negros não conseguiam reter a bola com qualidade. Somado a lentidão na transição/aproximação de Cuéllar e Ronaldo, o Flamengo pouco conseguiu desequilibrar no setor.
Encaixes do Fluminense na subida do bloco em campo ofensivo. (TacticalPad)
Até onde se possa aferir o que foi mérito do Flu e demérito do rival, é preciso ter cautela. Mas o rendimento defensivo foi interessante. Os zagueiros conseguiram sustentar as diagonais de fora para dentro – executadas várias vezes por Vinicius e Marlos Moreno -, e os volantes foram eficientes em coberturas.
Os momentos em que o Fla desequilibrou partiram de quebras na linha defensiva naturais acontecendo pelos encaixes setoriais que Abel gosta. Como na primeira finalização do adversário no jogo e que o vídeo abaixo mostrará.
Em organização ofensiva, alguns problemas previsíveis. Começando pelas tentativas de sair curto. Abel já dava a entender que não quer seus zagueiros correndo riscos desnecessários. Sempre quando apertados, a ordem de jogos anteriores era optar pela bola longa para que o time pudesse disputar a segunda bola mais à frente.
No entanto, o problema não passou apenas pela necessidade de lançamentos longos. A partir do momento que o adversário fechou o corredor central, os zagueiros do Fluminense adquiriram receio em ampliar o campo de jogo e ceder espaços às suas costas. Com baixa amplitude, as associações demoravam a acontecer e o time era obrigado a baixar o bloco e tentar gerar linhas de passe mais curtas. Despreparado, apresentou dificuldades para ganhar campo.
Mesmo com o placar favorável desde o primeiro minuto de jogo, praticamente. O controle de ações talvez não tenha existido em nenhum momento da primeira etapa e só veio a surgir a partir da superioridade psicológica mediante ao 4×0 em meados dos 20 minutos do segundo tempo.
São problemas que a temporada trará para a equipe, a partir das dificuldades naturais que o Brasileirão, Copa do Brasil e Sul-Americana irão impor. E ainda que o universo coletivo, técnico-tático precise de ajustes, os jogadores, mais do que nunca, precisarão encontrar soluções dentro de campo para transpor situações que os jogos vão estabelecer.
Assim como no lance do terceiro gol que, para este que escreve, foi bem construído. Com o centro de campo fechado, e baixa amplitude dos centrais, a equipe acelerou o passe e conseguiu progredir.
Mérito para Jadson que buscou flutuação pelo lado do campo para receber a bola atrás da linha de pressão do Flamengo. Inversão rápida – conceito consolidado em outros jogos –, e bola alçada para explorar as dificuldades do oponente nas bolas aéreas.
Competência que precisa ser reconhecida. A defesa rubro-negra concede muito em bolas pelo alto e o time de Abel soube explorar nos quatro gols marcados. O jogo é assim: caótico. Existiram outros méritos – como explorar a baixa proatividade defensiva de Vinicius Júnior -, e outros deméritos – como os problemas de transição ofensiva e defensiva já expostos em texto anterior.
O importante é inspirar confiança. Abel faz isso muito bem porque é um grande gestor de grupos. Marcos Júnior não é o atacante mais técnico, nem Gilberto o lateral-direito dos sonhos. Mas estão confiantes. Os treinos conseguiram trazê-los para a zona conclusiva e se juntar a Pedro e Sornoza – este último ainda seguindo na base da jogada, mas atuando do segundo terço para frente e com liberdade para pisar na área; assim como Gilberto que vem fazendo gols.
A complexidade que o futebol apresenta é absurda, mas relações interpessoais ditam o ritmo das situações. A segurança para executar um passe vertical, ou abrir uma linha de passe para atrair marcação e liberar um companheiro em melhor condição.
Porque os embasamentos para os movimentos coletivos passam pelo comportamento individual. As tomadas de decisão são feitas a cada 5 segundos dentro do jogo. Com ou sem bola. Cabe ao jogador ter consciência daquilo que está sendo feito para a jogada fluir. Caso contrário, nada acontece.
Mais uma goleada. A terceira seguida. Que a equipe saiba trilhar o caminho de forma equilibrada. Porque a dificuldade será grande.